O Mito da Liberdade Natural e o Trabalho em Saúde

O Mito da Liberdade Natural, conceito central na filosofia de Jean-Jacques Rousseau, oferece uma perspectiva desafiadora sobre sociedade e liberdade humana. Rousseau imagina um estado de natureza onde os humanos existem isolados, movidos por auto-preservação e compaixão natural, livres de leis ou moralidades sociais.

Neste estado, prevalece uma liberdade pura, desimpedida pela subjugação a outros.

Contudo, Rousseau argumenta que o desenvolvimento social, marcado pelo surgimento da propriedade privada e instituições sociais, corrompeu essa liberdade, levando à desigualdade e perda da autenticidade. Ele propõe o contrato social como solução, um acordo para viver sob leis comuns, preservando liberdade e igualdade dentro das restrições sociais.

Essa visão oferece uma crítica penetrante da natureza humana e estrutura social. A filosofia de Rousseau encontra paralelos notáveis na experiência dos profissionais da saúde. Por exemplo, na relação equipe-paciente, que ecoa o contrato social rousseauniano.

Os pacientes depositam sua confiança na equipe, esperando cuidado atencioso, enquanto esta operam dentro das limitações impostas pela sociedade e pelo sistema de saúde.

Tomemos o caso de uma enfermeira em um hospital superlotado. Confrontado com recursos limitados e pressão de tempo, ela deve equilibrar a eficiência com a compaixão. Este cenário reflete o conflito entre a liberdade natural de cuidar e as restrições impostas pela realidade do sistema de saúde.

Ao mesmo tempo, ilustra a complexidade do contrato social no ambiente de saúde: a profissional se esforça para manter a humanidade no atendimento, enquanto adere a protocolos e regulamentos.

Outro exemplo é a despersonalização no cuidado ao paciente, frequentemente vivenciada em sistemas de saúde burocráticos.

Este fenômeno pode ser visto como uma manifestação da corrupção da ‘liberdade natural’ do profissional de saúde pela estrutura social, onde a pressão para se conformar com normas e expectativas muitas vezes obscurece o impulso inato de tratar cada paciente como um indivíduo único.

Para superar esses desafios, os profissionais de saúde podem buscar estratégias como o desenvolvimento de habilidades de comunicação empática, a prática da medicina reflexiva e a advocacia para reformas no sistema de saúde que priorizem a relação equipe-paciente e a individualização do cuidado.

A promoção de um ambiente de trabalho que reconheça e apoie a necessidade dos profissionais de saúde de se conectar de forma significativa com seus pacientes pode ajudar a preservar a essência da compaixão frente às demandas do sistema.

Assim, a filosofia de Rousseau nos instiga a refletir sobre como manter a essência da humanidade em ambientes restritivos e desafiadores como o da saúde.

Encontrar um equilíbrio entre seguir regras e protocolos e manter a compaixão e a individualidade no cuidado ao paciente continua sendo um desafio crucial para os profissionais de saúde.

Este equilíbrio é essencial para que possam não apenas tratar doenças, mas também curar seres humanos, mantendo-se fiéis ao motivo pelo qual escolheram a saúde: a compaixão e o desejo de cuidar.

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