Como psicóloga da saúde, trabalhando lado a lado com profissionais plantonistas em hospitais, tenho uma confissão que pode parecer estranha: sou contra a resiliência. Não a resiliência em si, mas a interpretação distorcida dela que enaltece a exaustão e o sacrifício pessoal.
Nas longas horas dos plantões, vejo diariamente colegas se esforçando além do humanamente possível. Alguns até podem observar esta atitude como algo nobre. Porém, acredito firmemente que essa visão é perigosa. A verdadeira resiliência não está em ignorar nossos limites, mas em reconhecê-los e respeitá-los.
Lembro-me até de um colega, quase sempre visivelmente esgotado, trabalhando sem pausa, apesar de outros dizerem para ele ir para casa descansar.
Essa imagem é um exemplo perturbador do que chamo de Resiliência Tóxica, uma crença perigosa que glorifica ser sempre forte, ignorando os próprios limites e sacrificando a saúde e o bem-estar.
Estudos recentes mostram um aumento alarmante nos casos de burnout entre profissionais de saúde. No Brasil, por exemplo, uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) em 2022 mostrou que 83% dos profissionais de saúde demonstram sinais de Burnout.
Esse aumento é resultado de uma série de fatores, como:
- Aumento da carga de trabalho
- Pressão por resultados
- Falta de apoio emocional e profissional
- Exposição a situações estressantes e traumáticas
Assim, a Resiliência Tóxica pode ter consequências graves para os profissionais de saúde e para os pacientes. Para os profissionais de saúde, a resiliência tóxica pode levar a:
- Erros durante a assistência
- Queda na qualidade do atendimento
- Estresse, ansiedade e depressão
- Burnout
- Abandono da profissão
Para os profissionais de saúde, especialmente os plantonistas, aqui vão algumas diretrizes que considero fundamentais:
- Reconheça seus limites humanos. Saiba até onde pode ir sem comprometer sua saúde física e mental.
- Não hesite em buscar apoio. Seja entre colegas, amigos ou profissionais de saúde mental, compartilhar suas preocupações é fundamental.
- Priorize o autocuidado. Inclua em sua rotina práticas de autocuidado, como pausas regulares, alimentação balanceada e descanso adequado.
Mas eu sei que não dá pra deixar toda a responsabilidade no trabalhador, não é mesmo?
Algumas instituições de saúde estão tomando medidas para promover a resiliência sustentável entre seus profissionais. Essas medidas incluem:
- Oferecer treinamento sobre limites saudáveis no trabalho
Este treinamento ajuda os profissionais de saúde a aprender a identificar e respeitar seus limites físicos e emocionais. Isso inclui aprender a dizer não a novas tarefas, a priorizar o descanso e a pedir ajuda quando necessário. - Criar um ambiente de trabalho de apoio e positivo
Um ambiente de trabalho de apoio e positivo pode ajudar os profissionais de saúde a se sentirem mais conectados e apoiados. Isso pode incluir criar oportunidades para os profissionais de saúde se conectarem uns com os outros, fornecer feedback positivo e reconhecer os esforços dos funcionários. - Oferecer serviços de saúde mental aos funcionários
Os serviços de saúde mental podem ajudar os profissionais de saúde a lidar com o estresse, a ansiedade e a depressão. Isso pode incluir terapia, aconselhamento e grupos de apoio.
A adoção dessas medidas pode ajudar a reduzir o risco de burnout entre os profissionais de saúde e a melhorar a qualidade do atendimento aos pacientes.
É hora de repensar a resiliência, não como uma resistência inquebrável, mas como a capacidade de trabalhar de forma sustentável, mantendo o bem-estar. Em um ambiente hospitalar, onde as emoções são intensas e as demandas são altas, essa reavaliação é mais importante do que nunca.
Como colega na área da saúde, desafio vocês, profissionais incansáveis, a refletirem sobre a resiliência verdadeira e sustentável.
Afinal, cuidar de si é tão importante quanto cuidar dos outros.
Referência:
OLIVEIRA, A. C.; SOUZA, F. R.; SILVA, M. C. Burnout em profissionais de saúde no Brasil: uma revisão sistemática. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 44, n. 2, p. 159-167, abr./jun. 2022.